Protocolo da ABRAH sobre a Epidemia causada pelo vírus Zika e Chikungunya

Protocolo da ABRAH sobre a Epidemia causada pelo vírus Zika e Chikungunya

 

Associação Brasileira de Reciclagem e Assistência em Homeopatia

Prof. Romeu Carillo Junior

Tendo em vista a relevância do tema assim como as diversas lacunas ainda existentes sobre a patogenicidade, características clínicas e complicações decorrentes da infecção pelo vírus Zika, assim como de uma possível atuação da terapêutica homeopática, a Associação Brasileira de Reciclagem e Assistência em Homeopatia (ABRAH), através de seus orientadores, professores e alunos iniciou em 2015 debate acerca de algumas questões de significativa importância sobre o tema e determinou diretrizes para um programa de estudo epidemiológico que possa contribuir para a solução do atual cenário.

Partindo do protocolo de vigilância e resposta à ocorrência de microcefalia relacionada à infecção pelo vírus Zika e do plano nacional de enfrentamento à microcefalia no Brasil, ambos do Ministério da Saúde, com atualização do dia 08/12/2015, iniciamos nossas discussões sobre as bases das possíveis ações fundamentadas nos conhecimentos atuais e nas bases da Homeopatia instituídas por Samuel Hahnemann.

As informações e conclusões geradas pela discussão, como o próprio comunicado do Ministério da Saúde ressalta, “são passíveis de revisão e mudanças frente às eventuais incorporações de novos conhecimentos e outras evidências, bem como da necessidade de adequações das ações de vigilância em cenário epidemiológico futuro”.

Nossas ações sob o ponto de vista homeopático dependem fundamentalmente do apoio e empenho de todas as instituições de saúde no sentido de notificar todos os sintomas característicos dessa epidemia. Como expõe Hahnemann no parágrafo 100 do Organon: “Na investigação da totalidade sintomática das doenças epidêmicas ou esporádicas, é de menor importância saber se alguma coisa semelhante já surgiu no mundo sob o mesmo nome ou outro qualquer”. Refere-se ao fato de que cada Epidemia tem suas próprias características e continua no mesmo parágrafo: “O médico deve, de qualquer modo, encarar o quadro puro de cada doença dominante como se fosse algo novo e desconhecido, investigando-a toda”.

Segundo ele, portanto, não se deve utilizar medicamento homeopático como gênio epidêmico, seja ele simples ou composto, apenas por ter sido útil em outra circunstância parecida. Não se trata de aceitar cegamente as instruções do Mestre de Meissen, trata-se da lógica com que ele trata o assunto. A investigação das características dos sintomas e do comportamento de cada Epidemia em particular é fundamental para a busca do medicamento mais adequado. Ainda no mesmo parágrafo Hahnemann afirma: “Essa conduta é de máxima necessidade em tais casos, visto que o exame cuidadoso demonstrará que cada doença é em muitos aspectos um fenômeno de caráter exclusivo, diferindo grandemente das epidemias anteriores às quais erroneamente se aplicou certas designações”.

É interessante que Hahnemann faça referência às doenças epidêmicas características da infância como o Sarampo e à Varíola com uma ressalva: “São exceções as epidemias resultantes de agentes contagiosos que sempre permanecem os mesmos, como a varíola, sarampo, etc”. Nessas, o gênio epidêmico parece ser sempre o mesmo, o que não é o caso da Dengue, Zika ou da Chikungunya. Aliás, sempre tivemos uma ressalva quanto ao comportamento das epidemias onde existe um vetor. Nesse caso, parece haver uma desorganização entre diferentes níveis de padrão de organização, como na Peste Negra, com aumento das pulgas transmissoras da doença que dizimou um terço da população da Europa. Na verdade, ao nosso ver, as epidemias transmitidas por vetores como a Dengue, a Chikungunya e a Zika, tem caráter diferenciado das de Varíola ou Gripe Espanhola, por exemplo.

Uma outra questão se relaciona à individualidade. Muito embora Dengue, Chikungunya e Zika tenham comportamento epidêmico, tendências diatésicas individuais parecem diferenciar os quadros clínicos. É provável que indivíduos sifilínicos com tendência hemorrágica tenham maior susceptibilidade à Febre Hemorrágica do Dengue (FHD), por exemplo. Segundo o relatório do Ministério da Saúde, especialistas de diversas áreas da saúde observaram que certos padrões individuais tem maior propensão ao comprometimento do Sistema Nervoso Central. Ao mesmo tempo, existem evidências de que o Zika seja neurotrópico, fato já demonstrado em modelos animais. Essas constatações estão de acordo com a nossa classificação desse tipo de doença como de origem mista, isto é, quando os fatores intrínsecos e extrínsecos se equivalem.

Na verdade, por enquanto, a relação do Zika vírus com malformações do sistema Nervoso Central está fundamentada em dados estatísticos na sua grande maioria. A Polinésia Francesa, por exemplo, notificou um aumento incomum de pelo menos 17 casos de malformações do Sistema Nervoso Central em fetos e recém-nascidos durante 2014-2015, coincidindo com o Surto de Zika vírus nas ilhas. Do mesmo modo que no Brasil, as autoridades de saúde da Polinésia Francesa também acreditam que o vírus Zika pode estar associado às anomalias congênitas, caso as gestantes estivessem infectadas durante o primeiro ou segundo trimestre de gestação.

De qualquer modo, a maioria dos casos parece ter evolução benigna. O Ministério da Saúde começou a receber notificações e monitorar casos de doença exantemática sem causa definida na Região Nordeste a partir do final do mês de fevereiro de 2015, com relato de casos nos estados da Bahia, Maranhão, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Sergipe e Paraíba, todos os casos apresentando evolução benigna com regressão espontânea, mesmo sem intervenção clínica, com mais de 6.800 casos identificados até aquele momento.

Abrindo um parêntese, vale lembrar que a linhagem do vírus identificada no Brasil é asiática e não africana e estudos publicados 25 de novembro de 2015 indicam adaptação genética dessa linhagem. Vale também lembrar que existem várias etiologias para a ocorrência da microcefalia congênita e pós-parto como se pode ver no quadro fornecido pela pubmedcentral.nih.gov

Voltando à Homeopatia Clássica de Samuel Hahnemann, lê-se no parágrafo 101 do Organon o seguinte: “Pode ocorrer facilmente que num primeiro caso de doença epidêmica apresentada ao médico este não tenha imediatamente um quadro completo de sua natureza. É somente através de criteriosa observação de cada um desses males coletivos que ele pode se familiarizar com a totalidade de seus sinais e sintomas”. No momento atual do conhecimento sobre as manifestações dessa doença, os sinais e sintomas parecem ainda não ser suficientemente claros e modalizados para se chegar a um gênio epidêmico adequado, como se pode ver no quadro a seguir.

A repertorização até os dez primeiros medicamentos não traz nenhum dos esperados para esse tipo de Epidemia.

Tal análise e resultados nos remete à segunda parte do projeto que consiste em acompanhar os dados fornecidos periodicamente pelos órgãos oficiais de saúde e coletar tantos outros quanto seja possível para melhor modalizar os sintomas dessa epidemia.

Uma vez estabelecido o gênio epidêmico, isto é, o melhor medicamento para a epidemia, inicia-se a fase de experimento para verificação do impacto. Já estamos contatando alguns órgãos de saúde em regiões onde a epidemia é prevalente para iniciarmos os testes de eficácia preventiva e também no tratamento de pacientes infectados. Embora para alguns possa parecer um caminho muito longo, não há outra forma segura de sabermos ao certo o quanto a terapêutica homeopática pode útil neste caso.

De qualquer maneira, nossa esperança de sucesso é bastante grande e fundamentada em pesquisas anteriores e até mesmo em relatos sobre o método utilizado pela Homeopatia Clássica de Samuel Hahenamnn, como se pode ver no relato a seguir, publicado no livro escrito por Bradford sobre sua vida e suas cartas:

“Quando o Cólera eclodiu em Daka nenhuma ajuda médica pode ser obtida de Papa, em razão da prevalência do Cólera naquele lugar; não estando disposto a ver os meus súditos morrerem sem fazer um esforço para salvá-los, experimentei curar a doença com Cânfora, como recomendado pelo Dr. Hahnemann e, pelas bênçãos da Providência, meus esforços foram coroados de êxito. De cento e sessenta e um pacientes de Cólera em Daka, a quem foram administrados Cânfora, apenas quatorze morreram; a saber, oito que solicitaram assistência no último estágio da doença, e seis que após três ou quatro recidivas não puderam ser salvos. Esta afirmação pode ser comprovada por mais de setenta testemunhas juramentadas”.

A segunda reunião nacional sobre o protocolo realizou-se como programada no Hospital Antonio Pedro da Universidade Federal Fluminense em 24/01/2016.

Inicialmente foram recordados e atualizados os aspectos clínicos e epidemiológicos da virose, ressaltando-se alguns aspectos notáveis como o diagnóstico laboratorial com destaque pelo kit desenvolvido pela Fiocruz, que faz o diferencial entre Dengue, Chikungunya e Zika.

Na sequência discutiram-se métodos alternativos de controle do vetor e as possíveis complicações da epidemia com destaque para Síndrome de Guillain-Barré e Microcefalia. Com relação à última, levantaram-se aspectos que diferenciam as causadas pelo Zika com outras, como citomegalovirus e toxoplasmose, incluindo as alterações detectadas pela Ressonância Magnética.

Em seguida, foram apresentadas as características fisiopatológicas dessa instabilidade comparada com outras viroses RNA e as possíveis associações com a diátese sifilínica.

Passou-se então à apresentação das Matérias Médicas de alguns medicamentos com possibilidade de utilização como gênio medicamentoso, a saber: Belladonna, Ranunculos bulbosos, Aconitum napellus, Clematis erecta, Rhus toxicodendron, Tuberculinum residuum, Urtica urens e Conium maculatum

TUBERCULINUM RESIDUUM (dores articulares).

Melhora da função das células mononucleares fagocitárias.

Dor articular persistente, marcante e periódica (principalmente na Chikungunya)

Articulação rígida que agrava ao acordar e por repouso prolongado.

Insensibilidade à umidade (não é afetado pela umidade)

Ombros dolorosos, rígidos. Retração de aponeurose. Deformidade articular ou reumatismo deformante.

URTICA URENS (prurido).

Matéria medica de Urtica urens:

Urticária generalizada (talvez o remédio mais importante) com prurido muito violento e ardor intolerável, que aparece ou piora depois de mariscos ou peixe; com pápulas volumosas; alterna ou coincide com dores reumáticas articulares. O prurido de Urtica é violento, pungente e ardente, semelhante ao produzido pelo contato com urtiga, e piora à noite, pelo calor da cama ou pelo calor em geral. (Vijnovsky)

CONIUM MACULATUM (Síndrome de Guillian-Barré).

Matéria médica de Conium:

Fraqueza paralítica progressivamente crescente e ascendente, começando nos membros inferiores, às vezes precedida de convulsões; com temores e vertigem. Grande prostração do sistema nervoso e muscular. Paralisia muscular sem espasmos. Paralisia e paresias. Paralisia de origem medular por causa de traumatismo na coluna, principalmente lombar (e maus efeitos em geral) ou difteria. Brusca fraqueza ou perda de força caminhando. (Vijnovsky)

Os estudos apontaram para Rhus toxicodendron como gênio medicamentoso pela sua semelhança sintomática com o quadro provocado pelo Zika, além do tropismo por órgãos e tecidos mais afetados pela doença. No entanto, outros três medicamentos foram escolhidos para circunstâncias especiais a saber: Urtica urens, Conium maculatum e TR.

A utilização de Urtica urens estará indicada nos casos de prurido muito intenso, sendo que a sua eficácia já foi testada com sucesso em alguns casos. A de Conium maculatum estará indicada nos casos de Guillain-Barre e a de TR nos casos onde a dor articular se prolongar mais do que o esperado (como nos quadros de Chikungunya). Todos os medicamentos em forma líquida, na 6CH com excessão do TR, que será prescrito na 30CH.

Uma das questões levantadas e que ainda necessita maior aprofundamento foi a relacionada à forma de prescrição quanto ao tempo e frequência. O estudo dos Escritos Menores de Hahnemann quanto à Escarlatina mostra a utilização de Belladonna a cada 72 horas durante todo o curso da epidemia mantendo-se a medicação por mais quatro a cinco semanas. O autor frisa, no entanto, que a frequência de administração de um medicamento numa epidemia está relacionada ao tempo de ação do remédio escolhido.

Embora careça de uma discussão mais aprofundada, propusemos preliminarmente o seguinte protocolo:

  1. Como curativo, isto é, para os pacientes que apresentem o quadro epidêmico, Rhus toxicodendron 6CH, 6 gotas (3 gotas para crianças menores do que 3 anos) diariamente até a remissão. Caso o prurido seja muito intenso, acrescentar Urtica urens 6CH, 6 gotas 3 vezes ao dia. Caso as dores articulares se prolonguem ou sejam muito intensas, acrescentar TR 30CH, 6 gotas uma vez ao dia até melhoria do quadro.
  2. Como preventivo para a população de maior risco, ou seja, gestantes, Rhus toxicodentron 6CH, 6 gotas diariamente, durante toda a gravidez.

Conclusões:

– Escolher uma medicação como gênio epidêmico e aplicá-la profilaticamente em determinada população a fim de observar, em comparação com o restante da população acometida, os efeitos da medicação empregada na curva de incidência da doença.

– A proposta seria utilizar o RHUS TOXICODENDRON 6CH preventivamente;

– Os casos que ainda assim apresentarem sintomatologia de Zika e Chikungunya utilizar circunstanciais:

– Para as dores articulares persistentes ou agudas: Tuberculinum residuum 30CH

– Para as manifestações cutâneo-pruriginosas: Urtica urens 6CH

– Na Síndrome de Guillain-Barré: Conium maculatum 6CH

Para as pessoas que não receberam Rhus toxicodendrum de forma profilática utilizar essa medicação, como primeira escolha, no início dos sintomas, sem utilizar as demais medicações, para avaliar a ação do medicamento sobre os sintomas de pele, articular, neurológicos, etc.

Não ficou estabelecida a frequência de administração da medicação de forma profilática, ficando para posterior discussão.

 

Referências:

PERNAMBUCO. Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco. Secretaria Executiva de Vigilância em Saúde. Protocolo Clínico e Epidemiológico para investigação de casos de microcefalia no estado de Pernambuco. Versão N° 02. Pernambuco: Secretaria Estadual de Saúde, 2015.42p.

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Protocolo de atenção à saúde e resposta à ocorrência de microcefalia relacionada à infecção pelo vírus Zika Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde – Brasília: Ministério da Saúde, 2015. 49p.

Carillo Junior, Romeu. Homeopatia Medicina interna e Terapêutica. 2° ed. Homeolivros, 2007.

Carillo Junior, Romeu. O milagre da imperfeição: vida, saúde e doença numa visão sistêmica. 1° ed. São Paulo, Cultrix, 2008.

HANEMANN, C.F.S. Organon da Arte de Curar. 5ª ed. Londres: Headland, 1849. Santos.

Ribeiro Filho, Ariovaldo. Repertório homeopatia digital, versão 3.0. Homeosoft. 2013.

Vijinovsky, B. Tratado de Matéria Médica Homeopática. São Paulo. Editora Organon, 2003.

 

 

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